Compliance trabalhista – Qual a importância para a sua empresa?
O termo compliance ganhou destaque no ordenamento jurídico brasileiro, com a vigência da Lei nº 12.846/2013, que estabelece a responsabilização civil e administrativa de empresas, fundações e associações. No entanto, no que se refere às relações laborais, ainda não alcançou a importância necessária.
A expressão Compliance vem do verbo em inglês “to comply”, que significa “cumprir, executar, satisfazer, realizar o que lhe foi imposto”. Assim, Compliance é estar em conformidade e fazer cumprir os regulamentos internos da empresa, bem como a legislação aplicável às atividades daquela instituição.
Embora o Compliance tenha ganhado destaque apenas recentemente no meio corporativo brasileiro, a prática é bem antiga, especialmente nos Estados Unidos, onde as primeiras técnicas remontam a 1913. Com a criação do Banco Central norte-americano, tem início as primeiras práticas do que evoluiria para o que conhecemos hoje como Compliance. Naquele momento, o objetivo era garantir segurança nas transações financeiras.
O instituto começa a evoluir de forma significativa em 1930, quando na Conferência de Haia, é criado o BIS – Bank of International Settlementes. O objetivo naquele momento era que todos os bancos centrais do mundo cooperassem entre si, e para tanto, eram necessárias regras de boas práticas.
A partir deste momento as práticas de compliance se expandiram e fortaleceram em todo mundo, não só no âmbito de instituições financeiras, mas no mundo empresarial em geral.
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História do Compliance no Brasil
No Brasil, a expressão compliance popularizou-se após a promulgação da chamada Lei Anticorrupção (12.846/2013). No entanto, em 1998, foi publicada a Lei 9.613/98, conhecida como a Lei de Combate aos Crimes de “Lavagem” de Dinheiro, que pode ser considerada a precursora da norma de 2013.
Neste primeiro momento, os bancos adotaram práticas de combate a ilicitudes, criando códigos de conduta interna, cartilhas e treinamento de funcionários. Tal prática foi seguida por algumas empresas, especialmente, multinacionais ou de capital aberto.
No entanto, após os escândalos de corrupção envolvendo políticos e instituições privadas, foi idealizada a Lei Anticorrupção. Um dos principais objetivos da nova legislação é a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas sobre atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira (Lei 12.846/13).
Com a promulgação da Lei Anticorrupção houve um grande incentivo para que as empresas adotassem práticas de compliance corporativo. A Lei, inclusive, prevê sanções mais brandas, para empresas que comprovem a cooperação com a apuração de infrações e a existência de mecanismos e procedimentos de integridade interna (incisos VII e VIII do artigo 7ª da Lei 12.846/2013).
A partir de então os programas de compliance se espalharam por diversas empresas, em vários seguimentos, inclusive na área trabalhista.
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O Compliance na área trabalhista
Em geral o propósito da área de compliance é assistir os gestores no gerenciamento dos riscos que envolvem sua atividade. Tais riscos podem ser materializados em sanções legais ou administrativas, perdas financeiras ou perdas reputacionais em virtude da falta de cumprimentos de disposições legais, regulamentos administrativos ou códigos de conduta.
No entanto, o compliance vai muito além das questões regulamentares, da legislação, ele incorpora princípios de integridade e conduta ética. Exatamente neste ponto torna-se essencial a existência de um compliance trabalhista.
Assim, mesmo que nenhuma lei ou regulamento seja descumprido, ações que tragam impactos negativos no relacionamento com os colaboradores, podem gerar risco. No que se refere às relações de trabalho, é determinante que o compliance comece pelo “topo” da organização. A efetividade do sistema está diretamente ligada à importância que os gerentes e executivos da empresa dão às regras de conformidade, trata-se da “liderança pelo exemplo”.
Nesse ponto, é importante destacar que as empresas não respondem apenas pelos atos de seus gestores, mas também pelas más práticas de todos os seus colaboradores. Assim, todas as atividades diárias da organização devem estar em conformidade com a lei e o código de conduta da empresa. Desta forma, o empresário deve estar atento e monitorar todas as ações exercidas no ambiente laboral.
Vale frisar que com as alterações ocorridas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 2017, existe a possibilidade de a empresa imputar dano de natureza extrapatrimonial ao seu empregado. Assim, o colaborador que sua ação, ofenda a moral ou existência da instituição, pode ser penalizado judicialmente. No entanto, para que isso seja possível a empresa deve ter um bom programa de compliance, de conhecimento de todos os seus empregados e que seja efetivamente aplicado.
Uma empresa que negligencia as boas práticas nas relações laborais pode causar prejuízo não só a sua imagem, mas também aumentar seu passivo trabalhista. Ademais, estará passível de sofrer fiscalizações dos órgãos governamentais, como Ministério Público do Trabalho- MPT e Secretaria Regional do Trabalho – SRT
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Aplicação prática do Compliance Trabalhista
Após tudo que foi exposto não há dúvidas que é fundamental desenvolver mecanismos de prevenção e gerenciamento de possíveis problemas internos, ou seja, ter uma estrutura de compliance (Cunha,2008).
Especificamente quanto ao programa de compliance trabalhista, a doutrina mais moderna, aponta que as duas principais frentes de atuação são: criação de políticas e procedimentos internos de observância a Lei e vigilância efetiva (interna e externa) de seu cumprimento.
Com efeito, para implantar um sistema de compliance efetivo é necessário fazer uma análise prévia dos riscos. Significa que a corporação deve fazer:
- Um levantamento de seu quadro de empregados;
- verificar quais as normas de segurança e medicina do trabalho se aplicam ao seu ramo de atuação;
- observar quais as normas trabalhistas a empresa deve seguir;
- analisar qual tem sido o entendimento jurisprudencial dos Tribunais Regionais, acerca dos temas que envolvem sua atividade;
- criar um código de conduta a ser seguido pelos empregados, com base nas normas trabalhistas e medicina e segurança do trabalho;
- implantar um canal de denúncia;
- nomear um responsável para resolver os conflitos entre os empregados;
- treinar os funcionários acerca das boas práticas, previstas no código de conduta;
- fiscalizar a adesão dos colaboradores às medidas determinadas pela empresa.
Resta evidente que deve haver uma interação entre todos os setores da empresa, uma vez que sem cooperação e treinamento de todos os colaboradores, o programa de compliance não será bem-sucedido. Um ponto importante é criar métodos eficazes de verificação da efetividade do programa implantado.
Outro ponto relevante é mudar a cultura da organização, evitando abusos cometidos por superiores, definindo a cordialidade como regra. Os gestores devem ser treinados quanto às normas trabalhistas, a fim de que nenhum direito seja suprimido.
Assim, é fundamental não só que haja um código de conduta, mas também de mecanismos para que as regras ali descritas sejam realmente cumpridas. É necessário também criar sanções caso as regras sejam desrespeitadas, sendo importante a implantação de um comitê de investigação autônomo, que será responsável pela apuração da denúncia até a aplicação da penalidade prevista.
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O compliance trabalhista e as empresas terceirizadas
No que se refere às empresas prestadoras de serviços, as chamadas terceirizadas, podem ser aplicadas por analogia as ferramentas conhecidas como ”know your customer”. Essa expressão em tradução literal significa “conheça seu cliente”.
A adaptação de tais práticas para o compliance trabalhista significa que a empresa contratante deve ser responsável por exigir toda a documentação de regularidade econômica, jurídica e fiscal da prestadora. Essas regras precisam estar dispostas no código de ética da corporação, bem como no contrato firmado com a empresa terceira.
Conhecer o seu cliente significa conhecer o prestador antes contratá-lo. A empresa contratante deve fazer um levantamento minucioso da documentação da contratada. A investigação deve verificar origem de patrimônio, integralização do capital social apontado, inspecionar o local de trabalho, quanto à estrutura e condições de medicina e segurança do trabalho. Outra medida eficaz é avaliar o histórico dos sócios para tomada de decisão e avaliação de possíveis riscos.
Após a contratação, a aplicação do conceito de “conhecer seu cliente”, significa saber a origem e destino dos recursos movimentados, para identificar, analisar, decidir e reportar as situações que possam configurar crime. Manter visitas regulares ao local de prestação de serviços, para verificar o ambiente no que se refere às normas trabalhistas e de medicina e segurança do trabalho.
Vale destacar, por exemplo, que, a Lei 13.429/2017 que regulamentou a terceirização, prevê em seu artigo 3º que a contratante é responsável por garantir condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores. Portanto, se um empregado da empresa terceirizada sofrer um acidente, a empresa tomadora poderá ser responsabilizada em solidariedade com a prestadora.
Desta feita, é de suma importância a aplicação das regras de compliance trabalhista, uma vez que a prévia avaliação da empresa prestadora poderá evitar riscos desnecessários e manter o passivo controlado.
Este é apenas um dos exemplos de como o programa de compliance pode evitar aumento do passivo trabalhistas. Pode-se citar ainda os efeitos na redução de ações por dano moral, assédio moral e dano existencial, tão comuns nos Tribunais atualmente.
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Compliance trabalhista – Considerações finais
Um programa de compliance efetivamente implantado deve ter como objetivo não só dirimir custos e evitar riscos, mas buscar a satisfação de seus empregados. Um colaborador que se sente acolhido e que vê nos instrumentos de controle e fiscalização da corporação um aliado, é essencial para manter um ambiente de trabalho sadio.
De fato, quando o empregado sabe que existe uma equipe de compliance verdadeiramente comprometida com as boas práticas, que o código de ética não é apenas um documento formal, ele se sente mais seguro. A criação de canais de denúncia anônimos e confiáveis, bem como comissões internas para apuração das denúncias, traz segurança aos colaboradores, além de poder evitar uma futura reclamação trabalhista.
As empresas precisam aprender a lidar com os avanços tecnológicos, bem como com a evolução das relações humanas, tendo uma posição proativa. Não há dúvida que a implantação do programa de compliance, demonstra que a organização atua preventivamente, que tem uma cultura propositiva à solução. Essas são duas características apreciadas no meio empresarial e que trazem confiabilidade.
Ademais, com as alterações legais e jurisprudenciais, ficou evidente que a responsabilidade dos gestores vai além do ambiente interno da empresa. Hoje em dia o compliance trabalhista abrange as boas práticas relacionadas com os empregados direitos, indiretos, terceirizados e prestadores de serviço não habituais.
Vale frisar, que o programa de compliance não é estático, ele precisa ser implantado e evoluir na esteira da legislação, jurisprudência e das relações pessoais. Assim, não basta criar um código de ética ou conduta, sem um acompanhamento constante. A implantação do código de conduta dentro da organização é o primeiro passo para alterar a cultura empresarial. Se as diretrizes são observadas e respeitadas por todos, é certo que os atos ou omissões que possam gerais prejuízos materiais ou imateriais para a instituição serão reduzidos.
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