É possível alterar o regime de bens do casal?
Com mudanças ocorridas no Código de Processo Civil , a alteração do regime de bens do casal foi efetivamente regulamentada.
No Código Civil de 2002, em seu artigo 1.639, §2º, já havia a possibilidade de modificação do regime de bens. No entanto, a regra foi instrumentalizada apenas com o novo Código de Processo Civil em 2015. O artigo 734 do NCPC/2015, basicamente repete a regra do Código Civil.
Infelizmente, até o momento a alteração só pode ser realizada judicialmente, não sendo possível ser realizada por mera escritura pública. Vale destacar, que alguns doutrinadores argumentam que seria sim possível fazer a alteração fora do âmbito judicial. No entanto, esse entendimento é minoritário, sendo certo que a previsão expressa é pela via judicial.
Entretanto o procedimento não é complexo, apenas o rol de documentos a serem apresentados pode ser extenso. Com efeito, havendo bens adquiridos pelo casal após o matrimônio e menores é importante, apresentar certidões de nascimento, registro dos bens imóveis e documentos relativos aos bens moveis, como veículos. A apresentação da petição inicial com todos os documentos poderá reduzir o tempo de tramite. Cumpre ressaltar que não existe um rol pré-estabelecido de documentos, ficando a critério do Juiz e do Ministério Público, eventual solicitação complementar.
Da motivação para alteração do Regime de Bens
O artigo 734 do NCPC estabelece que a alteração do regime de bens do casamento, poderá ser requerida, por petição conjunta do casal, constando as justificativas para alteração, ressalvados direitos de terceiros.
Cumpre mencionar que a necessidade de apresentar justificativa para alteração do regime é ponto controvertido. Em que pese a norma processual estabelecer ser necessária apresentação de motivos, a jurisprudência tem caminhado em sentido contrário. O entendimento mais recente do STJ é no sentido de que a norma traz exigências excessivas, que interferem na intimidade do casal.
O Ministro Luis Felipe Salomão – Quarta Turma, em julgado publicado em 12.03.2013, apresenta posicionamento nesse sentido:
“(…) Justificativa do pedido. Divergência quanto à constituição de sociedade empresária por um dos cônjuges. Receio de comprometimento do patrimônio da esposa. Motivo, em princípio, hábil a autorizar a modificação do regime. Ressalva de direitos de terceiros.
1. O casamento há de ser visto como uma manifestação vicejante da liberdade dos consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum, liberdade essa que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, em um recôndito espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à condição de “asilo inviolável”. 2. Assim, a melhor interpretação que se deve conferir ao art. 1.639, § 2º, do CC/2002 é a que não exige dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes(…)”
A verdade é que a jurisprudência tem minimizado a regra processual, privilegiando a vontade das partes. Aqui cabe frisar que somente o casal possui a dimensão dos problemas que o regime de bens adotado no momento do casamento pode gerar em sua vida cotidiana.
Do interesse de terceiros
As normas civis e processuais estabelecem expressamente que a alteração de regime, não pode prejudicar o interesse de terceiros.
A intenção do legislador é proteger a boa-fé objetiva e evitar que a alteração de regime se transforme em uma ferramenta de fraude a credores, inclusive o fisco.
Precisamente para proteger os terceiros de boa-fé, o §1º do artigo 734 do NCPC, prevê que o Juiz só poderá deferir o pedido de alteração de regime, após manifestação do Ministério Público e publicação de edital divulgando a modificação no regime de bens do casal. A publicidade é fato determinante para evitar a lesão de terceiros.
Nesse ponto, vale mencionar que tanto o Juiz, quanto o Ministério Público, podem solicitar tantos documentos, quantos entendam necessários para resguardar terceiros.
Por exemplo, se algum dos cônjuges possui uma empresa, deve juntar as certidões negativas do empreendimento na esfera municipal, estadual e federal. Será importante também apresentar contrato social. Quanto aos documentos de idoneidade dos cônjuges, além é claro da certidão de casamento, certidão de nascimento dos filhos e comprovante de residência, sugere-se apresentar:
.Certidão negativa do cartório de registro de protestos do lugar de residência;
.Certidões negativas junto a Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Juizados e Justiça Federal;
.Certidões negativas relativas ao fisco municipal, estadual e federal;
.Certidão de registro dos imóveis adquiridos na constância do matrimônio;
.Documentos de registro de veículos do casal.
Em que pese parecer exagerada a relação de documentos sugerida, esses documentos são usualmente requeridos em juízo. Mesmo com todas as cautelas, caso seja demonstrado prejuízo de terceiro de boa fé, a alteração de regime será ineficaz, quanto a estes. Serão mantidos os efeitos, apenas quanto às partes.
Da publicidade da alteração de regime
No que se refere a publicação da modificação de regime, antes da efetiva alteração, também tem gerado controvérsias. O requisito legal, mais uma vez tem como escopo proteger o interesse do terceiro de boa-fé, demonstrando o excesso de cautelas da norma.
Com efeito, embora a norma estabeleça que o Juiz antes de decidir, deve publicar via edital a pretendida modificação, a jurisprudência tem apresentado soluções alternativas. Assim, como na questão da motivação, no que se refere a publicação de edital, os Tribunais tem flexibilizado a norma. O STJ em 2012 firmou entendimento que o mero registro da sentença transitada em julgado supre o requisito da publicidade.
O Ministro Raul Araujo em seu voto definiu que: “(…) 3. O princípio da publicidade, em tal hipótese, é atendido pela publicação da sentença que defere o pedido e pelas anotações e alterações procedidas nos registros próprios, com averbação no registro civil de pessoas naturais e, sendo o caso, no registro de imóveis (…)” (STJ, REsp 776.455/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 17.04.2012, DJE 26.04.2012).
Dos efeitos da alteração de regime
Por último, há que se tratar dos efeitos da decisão que altera o regime de bens dos cônjuges. Cabe mencionar que também neste ponto há controvérsia. Veja que o tema tem trazido várias discussões, havendo entendimentos jurisprudências e doutrinários em duas linhas. A primeira estabelece que os efeitos da decisão são apenas ex nunc, ou seja, a partida decisão que deferiu a alteração de regime. A segunda corrente estabelece efeitos ex tunc, ou seja, retroativos ao momento do registro do matrimônio.
Dentre os defensores dos efeitos apenas ex nunc é possível citar posição do Ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino, que em decisão proferida em 2014, argumenta que: “(…) Em relação à eficácia ‘ex nunc’, o argumento central é no sentido de que a eficácia da alteração de um regime de bens, que era válido e eficaz, deve ser para o futuro, preservando-se os interesses dos cônjuges e de terceiros(…)”
Para os filiados a primeira corrente, deferir efeitos ex tunc a decisão, implicaria na ineficácia no regime anterior. De acordo com esse posicionamento, a decisão atingiria um ato jurídico perfeito.
Por outro lado, dentre aqueles que entendem que a decisão pode gerar efeitos ex tunc, o principal argumento vem do dispositivo legal. Ora, se a decisão tivesse apenas efeitos ex nunc, não haveria necessidade de a Lei ressalvar, os direitos do terceiro de boa-fé.
Nesse sentido decisão do Desembargador Luís Carlos Gambogi, eg. TJMG de 2014, na qual argumenta que: “(…) inexiste óbice em se determinar que a alteração de regime de bens possua efeitos ex tunc em relação aos cônjuges, uma vez que já ressalvados o direito de terceiros (…)”(TJMG – Apelação Cível 1.0223.11.006774-9/001). No mesmo sentido decisão do TJDF, Recurso 2010.01.1.006987-3, Acórdão n. 440.239, Primeira Turma Cível, Rel. Des. Natanael Caetano, DJDFTE 25.08.2010, pág. 77).
Com efeito, tal questão não está pacificada nos tribunais. Desta feita, os efeitos concedidos a alteração de regime, dependerá da linha doutrinaria a qual o julgador estiver filiado.
Deixe um comentário