O que é direito à desconexão ou direito ao descanso?

Direito ao descanso

O que é direito à desconexão ou direito ao descanso?

O direito do trabalhador à saúde, garantido constitucionalmente, perpassa ao respeito à jornada de trabalho máxima e, portanto, ao período mínimo de descanso.

 

O mundo vem sofrendo mudanças drásticas nas últimas duas décadas. No que se refere ao mercado de trabalho essas alterações foram dramáticas, para aqueles que alienam sua força de trabalho.

O tempo “morto” do empregado, no qual normalmente estaria destinado ao lazer, repouso e conexão com a família, foi apropriado pelo empregador. Essa apropriação foi sutil e lenta, mas com efeitos deletérios para a saúde física e principalmente mental do empregado.

Com os avanços tecnológicos, os equipamentos de comunicação têm sido utilizados de forma indiscriminado pelas empresas. O empregado atualmente pode ser “acessado” não só por e-mail e celular, mas por mensagens instantâneas nos aplicativos de comunicação direta.

Desta forma, o descanso do trabalhador é constantemente interrompido, mesmo que por alguns minutos, sendo a jornada de trabalho elastecida sem qualquer contraprestação. Esse trabalho parcelado representa uma ameaça a um dos direitos que levaram anos para ser conquistado, qual seja a limitação da jornada de trabalho.

No rol exemplificativo do artigo 6º da CR/88, encontram-se descritos os direitos do trabalhador, à saúde, ao lazer, dentre outros. Desta feita, analogicamente pode-se dizer que o direito à desconexão laboral está sim enquadrado como um direito fundamental do cidadão.

Com efeito, quando o empregador desrespeita o período de descanso, também infringe o previsto no artigo 7º incisos XIII, XVII e XV da CF/88, no qual está prevista a jornada semanal de trabalho, o gozo de férias e repouso semanal remunerado.

O direito a desconexão é um tema central nas relações de trabalho em todo o mundo. A França de forma pioneira em 2017 editou a Lei da Desconexão. A referida Lei estabelece que os empregados não são obrigados a responder mensagens eletrônicas durante o período de descanso. De fato, o sistema legal estabeleceu o direito dos empregados de se desligarem de seus patrões.

O Direito a desconexão e a legislação brasileira

No Brasil ainda não existe uma legislação especifica que preveja o direito a desconexão, como a que vigora na França. Mas em 2011 houve alteração do artigo 6º da CLT para determinar que os “meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão”, equiparam-se a situação de subordinação e supervisão do empregado. O trabalho realizado fora do local de trabalho, mas por meio de e-mail, WhatsApp ou outros aplicativos de comunicação está enquadrado dentro da jornada de trabalho.

Ademais, independentemente da alteração na CLT, conforme apontado anteriormente, a Constituição Federal estabelece entre os direitos fundamentais, o direito ao lazer. O mesmo diploma estabelece os limites da jornada de trabalho semanal, sendo assim, pode-se dizer que os parâmetros estão postos.

Com efeito, o empregador que não respeita os limites de jornada e períodos de descanso do empregado, lhe está privando do direito a desconexão. Com efeito, pode ser condenado não só em horas extras, mas em casos mais graves, a pagar indenização por dano existencial.

Sobre o tema, assim informa a Desembargadora Paula Oliveira Cantelli, da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

“(…) O dano existencial é uma espécie de dano moral decorrente de uma frustração que impede a realização pessoal do trabalhador, afetando negativamente sua qualidade de vida. Os projetos pessoais e as relações sociais dos trabalhadores podem ser frustrados devido a condutas ilícitas praticadas por seus empregadores.”

Sendo assim, quando o tempo à disposição do empregador se torna uma forma de escravidão virtual, alterando a rotina pessoal e social do empregado, a ponto de privá-lo do mínimo de convívio familiar e social, os danos psíquicos podem ser convertidos em indenização reparatória.

O direito a desconexão e a jurisprudência dos Tribunais

Assim, embora não exista uma legislação abrangente e eficiente sobre o tema, a questão já está em discussão nos Tribunais. O judiciário a fim de sanar as omissões legais e atender as demandas da realidade laboral, tem decidido no sentido de reconhecer o direito à desconexão.

Veja decisão recente do eg. TRT da 3ª Região:

VIOLAÇÃO AO DIREITO À DESCONEXÃO, AO ESQUECIMENTO, AO LAZER, ASSIM COMO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E SOCIAL. DANO EXISTENCIAL. ESPÉCIE DO GÊNERO DANO MORAL. A supressão de tempo para que o trabalhador se realize, como ser humano, pessoal, familiar e socialmente é causadora de danos morais. Viver não é apenas trabalhar; é conviver; é relacionar-se com seus semelhantes na busca do equilíbrio interior e exterior, da alegria, da felicidade e da harmonia, consigo próprio, assim como em toda a gama das relações sociais materiais e espirituais. Quem somente trabalha, dificilmente é feliz; também não é feliz quem apenas se diverte; a vida é um ponto de equilíbrio entre o trabalho e o lazer, de modo que as férias, por exemplo, constituem importante instituto justrabalhista, que transcende o próprio Direito do Trabalho. Com efeito, configura-se o dano moral, com coloração existencial, quando o empregado tem ceifada a oportunidade de dedicar-se às atividades de sua vida privada, em face das tarefas laborais excessivas, deixando as relações familiares, o convívio social, a prática de esportes, o lazer, a cultura, vilipendiado ficando o princípio da dignidade da pessoa humana – artigo 1º, III, CRF. Consoante Sartre, “Ter, fazer e ser são as categorias cardeais da realidade humana. Classificam em si todas condutas do homem” (O Ser e o Nada), sem as quais, acrescento, em sua comunhão, carece a pessoa humana daquilo que o mesmo filósofo denominou de “transcendência-faticidade”. (…) A sociedade industrial pós-moderna tem se pautado pela produtividade, pela quantidade e pela qualidade, pela multifuncionalidade, pelo sistema just in time, pela competitividade, pela disponibilidade full time, pela conexão permanente e pelas metas, sob o comando, direto e indireto, cada vez mais intenso e profundo do tomador de serviços, por si ou por empresa interposta. (…)
(TRT da 3.ª Região; PJe: 0011657-47.2016.5.03.0105 (RO); Disponibilização: 27/06/2018; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Luiz Otavio Linhares Renault)

A decisão do Desembargador Luiz Otávio faz uma interpretação social do direito ao trabalho, do direito ao lazer e ao convívio social, digna de aplausos, uma vez que adéqua a legislação à realidade laboral pós-moderna.

O direito à desconexão e o futuro

Não há dúvida que o trabalho remoto é uma realidade e que irá ser ampliado nos próximos anos. Apenas o futuro dirá qual é o limite.

Também é claro que o trabalho remoto representa menos custos para o empregador e para sociedade. Veja que o trabalhado remoto, implica em menos pessoas transitando nas ruas, diminuindo congestionamentos, número de usuários no transporte público, sem falar no impacto ambiental. Já do aspecto do empregado representa uma facilidade e comodidade, especialmente, para aqueles que têm filhos pequenos ou residem longe de seu local de trabalho.

No entanto, as novas tecnologias não podem se transformar em uma escravidão digital, na qual o empregado está conectado 24 horas a disposição do empregador. Os limites legais de jornada, o período de descanso diário, semanal e anual tem que ser respeitados. Os Tribunais vêm atuando no sentido de impor limites ao uso das novas tecnologias no dia a dia do empregado. No entanto, os empregadores podem agir preventivamente e estabelecer regras claras para esse tipo de jornada, inclusive a fim de evitar conflitos e futuras demandas trabalhistas.

Os avanços tecnológicos não podem implicar apenas em mais valia para o empregador, deve haver um equilíbrio entre benefícios e prejuízos para empregado e empregador.

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